sábado, 22 de agosto de 2009

Folclore e nacionalidade na Literatura Brasileira do século XIX

Cristina Betioli Ribeiro
Doutoranda em Teoria e História Literária pela UNICAMP


Em tempos ulteriores à independência política, o Brasil torna-se alvo de intensos esforços a favor de sua auto-afirmação como nação emancipada. Política e culturalmente, o país assiste à construção de um projeto civilizador, favorecido pelo Imperador Pedro II, em busca de uma identidade propriamente nacional. Em 1838, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na Corte Imperial, sinaliza as bases deste projeto. Constituído por intelectuais e homens de letras, sob apoio financeiro e pessoal de D. Pedro II, o Instituto estabelece um elo entre o Estado e a inteligência e se propõe a investigar e traçar a gênese da nacionalidade, através da produção de historiografia e literatura por brasileiros.
No momento em que a História se esboça como campo científico específico, o IHGB oferece balizas programáticas e financeiras para a pesquisa historiográfica, através de uma ótica elitizada do país e de endosso à continuidade branco-européia. Trata-se de um paradoxo que permanece durante todo o século XIX: a denegação de Portugal como ex-metrópole, mas, contudo, a sua admissão como contribuição civilizadora na formação do Brasil. Relegados a raças inferiores, embora presentes, o indígena e o africano são abordados com ressalvas pela História e pela Literatura, que então se anunciam inauguradoras da nação brasileira independente.
Apesar de ambos serem associados ao primitivismo e à idéia de raça degradada, índio e negro não são examinados da mesma maneira pelos investigadores e pelos literatos do Brasil. Ao contrário. O indígena, sob os parâmetros da imaginação romântica, ganha estatuto de símbolo nacional, por meio da qualidade de habitante original do país. O negro, enquanto sob a condição de escravo, é omitido e rebaixado como raça bestializada, estrangeira e vinculada ao atrasado regime escravocrata.
Através de um movimento de consciente distanciamento, os intelectuais brasileiros e, mais precisamente, literatos românticos, como Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, projetam a imagem do índio para um passado mítico e histórico, com o intuito de espelhá-lo no conquistador e de celebrar heroísmo e bravura, caros aos cavaleiros medievais europeus, no personagem eleito como genesíaco nas terras brasílicas. Paralelamente, desenrolam-se discussões de caráter político em torno de propostas de dizimação e/ou escravidão do índio, bem como da ocupação e da conquista de terras ainda habitadas por eles, nos interiores do país.
A admissão do índio como símbolo nacional representa também uma resposta a considerações estrangeiras como as de Ferdinand Denis e Almeida Garrett, a respeito de nossa literatura. Primeiro estudioso a publicar um Resumo da história literária do Brasil (1826), independente da historiografia portuguesa, Denis sugere a necessidade de se explorar a cor local e o índio na produção literária nacional. Garrett, que tivera contato direto com a geração de românticos da revista Niterói, em Paris, aponta a conveniência de os literatos brasileiros libertarem-se da educação européia e voltarem-se, com originalidade, especialmente para a natureza tropical. A maior semelhança entre as posições que adotam é a recomendação de se buscar, nas exuberâncias brasileiras, os elementos compensatórios para o atraso da jovem nação.
O período que apresentou maior volume de escritos literários indianistas, bem como discussões sobre políticas indigenistas e a valorização plástica da imagem idealizada do índio, foi as décadas de 40 e 50 do século XIX. Antes ainda da repercussão do ideário cientificista em torno do folclore e sua importância para a identidade nacional, o indianismo romântico esboça o despertar das atenções para uma associação entre o sentimento nativista e as tradições populares, sugerida pelas propostas de resgate da cultura indígena.
Especialmente a partir dos anos 70 oitocentistas, torna-se mais evidente um relevante movimento da intelectualidade brasileira sobre as raízes da nacionalidade: a tentativa de se definir e estudar a cultura popular, antes inventada na Europa sob o conceito de folk-lore. Até este momento, o tema era difundido através da associação indianista com um passado europeizado do Brasil e em ocasionais descrições literárias de costumes, crenças e cantigas populares.
Ainda preocupados com a urgência de encontrar e expor elementos que representassem a nação em detrimento do influxo político e cultural português, os intelectuais do período criam uma idéia de popular, sobretudo apoiada na do romantismo alemão, que traz uma acepção de "espontaneidade ingênua" e anonimato, característicos de uma coletividade homogênea e una que se poderia considerar a alma nacional. Com a difusão do positivismo no período, muitos pensadores brasileiros, ideólogos e simpatizantes da Escola de Recife aderem decisivamente ao ideário cientificista, apresentam-se como cientistas e iniciam um movimento de antagonismo ao projeto cultural vigente de identidade nacional. A partir de uma ótica de caráter naturalista e preocupada com o registro documental da cultura nacional, as especificidades raciais de um povo ainda indefinido tornam-se mote de discussões em diferentes esferas do pensamento brasileiro.
Apesar da iniciativa de superação dos métodos românticos de afirmação da nacionalidade e embora os adeptos dos conceitos positivistas procurem tratar a cultura popular de maneira neutra e científica, não se afastam muito dos paradigmas que desejam combater, na medida em que adotam semelhante movimento de idealização nacional e distanciamento elitizado do povo.
Antes refletida da Europa que fidedigna à realidade local, a tentativa de definição do povo brasileiro aparece sempre nebulosa neste período, na medida em que busca a semelhança com o folclore branco-europeu, determinado pelos românticos do Velho Mundo como rústico, ingênuo e isolado da civilização urbana. As principais dificuldades na construção desta imagem de empréstimo estariam nos próprios fundamentos diferenciais de formação da nação brasileira, então baseada na escravidão, na miscigenação e numa recente independência política.
É notório, portanto, que às novas preocupações com o hastear da nacionalidade se acrescenta um desafio. Como lidar com a dificuldade de encontrar no povo brasileiro um segmento expressivo do imaginário folclórico, como o representado pelos camponeses, na Europa? Os fundamentos da cultura popular européia explicavam-se pela idéia do afastamento das cidades, como impedimento geográfico da corrupção dos costumes pelos hábitos urbanos e cosmopolitas. Mas a realidade social, política, econômica e física do Brasil era completamente outra. O país e a própria Corte eram predominantemente rurais e o principal tipo de mão-de-obra era a escrava.
O problema se agrava, na medida em que o negro representa ao mesmo tempo a maior fatia da população e um elemento a ser omitido pelos movimentos intelectuais nacionalistas. Diante de olhares estrangeiros escandalizados com a manutenção da escravidão no Brasil e a patente mistura racial entre brancos e negros, fazia-se recomendável evitar o africano como componente do cadinho da formação nacional. Familiarizados com os avanços da economia industrial, os julgamentos estrangeiros eram perplexos e contrários a um modelo econômico ainda baseado na escravidão.
É diante deste quadro, somado à referida penetração das teorias raciais e positivistas em circulação na Europa desde a década de 40 do mesmo século, incorporadas sobretudo pela Escola de Recife, que surgem as primeiras abordagens específicas sobre o folclore no pensamento nacional. Trata-se do advento dos primeiros folcloristas no Brasil, representados, sobretudo, por intelectuais das províncias do Norte.
Envolvidos pelas idéias cientificistas, os primeiros estudiosos do folclore alegam renunciar às idealizações românticas e aderem às concepções naturalistas de raça, meio e evolução. É sobretudo em resposta aos estrangeiros naturalistas, surpreendidos pela mestiçagem humana e cultural observada no Brasil, que os folcloristas assumem a prática de investigação das influências raciais na formação da cultura popular, bem como da coleta e do registro documental da poesia e das narrativas orais.
Lilia Schwarcz observa que a adaptação das ciências européias à realidade brasileira foi tarefa árdua para a intelectualidade nacional, que lidava com um povo visivelmente marcado pela miscigenação. Ainda assim, evidencia-se um processo de redefinição das teorias naturalistas no Brasil, segundo os interesses da elite. Para a maioria dos primeiros folcloristas, com destaque para o exemplo de Sílvio Romero, a mestiçagem funciona como argumento de justificativa para o processo de aclimatação do branco nos trópicos: o primeiro passo para uma evolução rumo ao branqueamento civilizador do Brasil.
Imbuídos desta atmosfera patriótica, porém conflituosa, cerca de catorze autores da segunda metade do século XIX debatem o folclore como o novo símbolo da nacionalidade. Engendrado principalmente em periódicos e livros publicados na capital do Império, o debate elege unanimemente o Norte como a região da genuína brasilidade. Neste sentido, todas as discussões a respeito da associação entre folclore e nacionalidade, bem como as práticas de coleta de produções orais, recaem sobre as províncias daquela região. Diante do europeizado argumento de que o Norte ainda não havia sido afetado pelo influxo estrangeiro e pelo progresso, a região passa a representar o lugar geograficamente afastado da corrupção citadina e idealizado como genuíno e detentor de costumes populares ainda intocados. A partir de pontos de vista que retratam uma nacionalidade em "estado bruto", o folclore é apontado como o germe da literatura nacional.
Na condição de literatos, políticos, religiosos e bacharéis em Direito e Medicina, os primeiros folcloristas abordam a cultura popular sob diversas frentes, dentre elas a que estabelece correspondências entre o folclore e a literatura. Embora lancem mão de uma pretensa precisão científica na análise do povo e suas manifestações culturais, associam-na a um processo evolutivo que os valoriza como tesouros primitivos, cristalizados no passado, e como fósseis valiosos para os estudos antropológicos. Trata-se de um movimento de distanciamento, semelhante ao empreitado pelo indianismo. Assim, a vinculação do popular ao primitivismo evidentemente os faz esbarrar na controversa tarefa de introduzir o folclore na produção literária erudita.
Grande parte dos estudiosos do folclore analisou o tema do ponto de vista etnográfico e antropológico, apresentando coletas de cantos e contos, bem como análises raciais, lingüísticas e dos costumes do povo, nas províncias do Norte. Pode-se considerar que, num momento histórico em que os campos do saber dialogavam com maior ênfase, os estudos folclóricos não necessariamente davam exclusividade a uma determinada "área científica" de abordagem, dispondo, muitas vezes, da mescla de conhecimentos históricos, antropológicos, etnográficos e literários.
Dentre os que introduziram a cultura popular em produções poéticas e ficcionais, destacaram-se Juvenal Galeno, José de Alencar e Franklin Távora.
O poeta cearense Juvenal Galeno, por exemplo, descreve, no prólogo das Lendas e canções populares (1865), como pretende aproveitar a cultura popular em suas composições poéticas:
Reproduzindo, ampliando e publicando as lendas e canções do povo brasileiro, tive por fim representá-lo tal qual ele é na sua vida íntima e política, ao mesmo tempo doutrinando-o e guiando-o por entre as facções que retalham o Império, – pugnando pela liberdade e reabilitação moral da pátria, encarada por diversos lados, – em tudo servindo-me da toada de suas cantigas, de sua linguagem, imagens e algumas vezes de seus próprios versos.
Com o evidente propósito de apresentar o conteúdo folclórico aperfeiçoado pelo talento letrado e erudito, a proposta de coleta, "guia" e "doutrinação" das produções orais nos próprios poemas indica que Juvenal Galeno ainda não era completamente partidário das idéias científicas de recolha e registro do folclore. O literato ignora o pressuposto teórico da preservação da poesia popular, enquanto documento a permanecer intacto. Em razão deste procedimento, assim como acontece com José de Alencar e o escritor português Almeida Garrett, o poeta cearense sofre críticas dos folcloristas, que vêm munidos das concepções naturalistas do folclore. Contudo, ao tratarem especificamente de Galeno, tais críticas apresentam ressalvas.
Araripe Júnior, na posição de crítico literário e um dos interessados pelo debate folclorista, reconhece uma singularidade literária em Juvenal Galeno, apesar de o poeta se distanciar do procedimento cientificista de coleta:
(...) criado desde a sua mais tenra infância no meio dos majestosos espetáculos de uma natureza quase virgem, apaixonou-se como verdadeiro filho das musas pela deusa que por seu mágico poder fora-lhe gradualmente fecundando o espírito, e o artista afinal consumou-se.
É ele autor de um dos mais mimosos poemetos que se contam entre as nossas poucas produções verdadeiramente brasileiras.(...)Juvenal Galeno acalentado aos estos do sol deste Brasil, será talvez o precursor de uma plêiade brilhante em gênero diverso ao do saudoso Dias, que recebendo as virgens inspirações do torrão onde nasceu, solidificará uma literatura própria e original.
Araripe Júnior reconhece o valor da poesia de Gonçalves Dias, saudosa, contudo, vislumbra uma renovação da originalidade e da nacionalidade da literatura, através da poesia promissora de Juvenal Galeno. Também outros intelectuais do período, como Franklin Távora, são menos severos com os métodos de coleta e composição folclórica de Galeno. O motivo é o imaginário em torno da origem camponesa do poeta: a idéia de que a imagem de Juvenal Galeno conjugava um homem do povo e um homem de letras tornava-o um escritor privilegiado para representar o povo. Neste motivo também reside um critério naturalista, muito ao gosto taineano de Araripe Júnior e da intelectualidade da geração de 70: a influência do meio sobre a formação do indivíduo.
Além do interesse literário pelo folclore, Araripe Júnior lança argumentos de caráter político-social, tendo em vista o desenvolvimento plenamente independente do país. Referindo-se à vida no sertão cearense, o autor explicita seu pensamento sobre a "elaboração nacional", apoiado na idéia da busca da autonomia brasileira:
No fundo desse viver, que de ordinário, se olha com indiferença, existem mistérios, abismos, perturbações tão profundas, elementos, enfim, para uma poesia tão vasta, para estudos psicológicos tão extensos, que não causaria surpresa se disséssemos que justamente dessa crisálida brotaria os fundamentos de onde terá um dia de derivar a transformação do Brasil. Nestes repositórios inexplorados é justamente onde se opera a surda elaboração nacional que há de caracterizar o nosso futuro e começa a reagir contra um certo descuido com que as populações sem autonomia das capitais, que vivem uma verdadeira vida de empréstimo, vão subscrevendo às revoluções européias, sem fazer passar as conquistas da civilização pelo crivo da nossa índole social, expurgando o que absolutamente não pode adaptar-se à natureza tropical.
A idéia de que o Brasil estaria em estado embrionário de formação e, do mesmo modo, a originalidade de sua literatura, é consenso entre os folcloristas e mais uma herança romântica, quando das menções ao atraso brasileiro.
Em campos diversos do conhecimento, o general Couto de Magalhães, o botânico Barboza Rodrigues e os médicos Melo Morais Filho e Nina Rodrigues demonstram interesse de caráter mais etnográfico que literário nos costumes, nos cantos e nas lendas populares. Para os dois primeiros, o registro destas manifestações matizava suas pesquisas de indianólogos, designação do período para estudiosos que se interessavam pelo índio como representação do primitivismo do homem. De maneira não muito distinta do indianismo romântico, tais pesquisas apresentam dificuldades em lidar com a imagem idealizada do índio arqueológico, posta à frente do índio como raça real e presente na população brasileira. Barboza Rodrigues, embora procure defender os costumes originais do índio civilizado – ao qual chama tapuio – das influências dominadoras da civilização branca, não esconde seus juízos sobre a inferioridade da raça:
O tapuyo, isto é, o gentio civilizado, ou nascido deste, por melhor que seja educado, sempre o é no meio em que as tradições portuguezas vicejam, e, como a sua intelligencia não é sufficientemente desenvolvida, o systema empregado pela civilização a atrophia, e por isso recebe todas as impressões sem critica alguma, ou mesmo discernimento.
Educado como escravo, convencido pela educação da inferioridade da sua raça, torna-se uma máchina de trabalho e não procura raciocinar. Observador intelligente por herança indígena, esta mesma qualidade lhe é nociva, quando modificada pela civilização. O facto que para elle na floresta se apresenta natural, quando civilizado, não o é mais.
Apesar de esboçar um manifesto à dominação portuguesa e à escravidão indígena, nas Lendas, crenças e superstições (1881), Rodrigues endossa a concepção de inferioridade da raça, a necessidade de vê-la civilizada e sua vulnerabilidade à raça superior.
Por caminho especialmente diverso, Melo Morais Filho apresenta uma obra, no ano da Abolição, com o nome de Festas e tradições populares do Brasil (1888). Através de posições excepcionalmente diferentes das do grupo folclorista, o autor omite a contribuição indígena na mistura de raças e revela informações importantes sobre a violência sofrida pelo negro escravo e a relevância incontestável da cultura africana na etnografia brasileira. Além disso, embora recolha elementos folclóricos da Bahia e de Sergipe, não dá exclusividade ao Norte, trazendo descrições sobre a cultura popular na Corte.
Nina Rodrigues, por sua vez, por meio dos estudos intitulados Os mestiços brasileiros (1890) e O animismo fetichista dos negros bahianos (1896), defende a existência de uma pluralidade na mestiçagem brasileira, que ainda não poderia caracterizá-la como formadora de um "grupo etnológico único". Mais especificamente no segundo trabalho, o médico aponta os negros como a grande maioria da população bahiana, ao mesmo tempo em que reforça a inferioridade da raça e eleva o monoteísmo à categoria religiosa das raças superiores, ou em estágio mental mais desenvolvido.
Como se pode notar, são visíveis os níveis da problemática racial, inevitavelmente associada ao debate oitocentista sobre a cultura popular. Nos diálogos com a literatura, estudos como os de Alfredo do Vale Cabral, João Alfredo de Freitas e Santa-Anna Nery recorrem explicitamente à obra de Sílvio Romero.
Romero, uma das grandes referências dos estudos folclóricos e literários do período, acredita que o erigir da literatura original repousaria no mestiço, o amálgama das culturas das três raças componentes do brasileiro. Repositório da fusão de elementos culturais distintos e sua transformação em criações populares próprias, o mestiço torna-se o foco das investigações de Romero sobre o folclore e a nacionalidade.
Diante da irrevogável proposta científica de recolha e registro da cultura popular, o autor opõe-se aos métodos de coleta com intervenções no conteúdo original. Assim, valoriza as "análises etnológicas", em detrimento das "divagações estéticas":
Um ou outro escritor nosso, que por acaso, houvesse colhido alguma quadrinha em uma festa de aldeia, para logo expandia-se aos fulgores líricos e supra-humanos da musa popular. Fazia-se mais retórica do que psicologia, mais divagações estéticas do que análises etnológicas. Estamos fartos de apologias poéticas e de cismares românticos; mais gravidade de pensamento e menos zigue-zagues de linguagem.
Neste excerto, Sílvio Romero refere-se aos escritores românticos do Rio de Janeiro. Considerados passivos perante o influxo estrangeiro na Corte e os ditames literários do romantismo, tais escritores ainda não estariam suficientemente maduros para adotar os métodos etnológicos de apreensão dos elementos nacionais. Especialmente os do Norte:
(...) desde muito tínhamos compreendido lá fora nas províncias do norte, longe do contato dos grandes mestres da corte, dramaturgos, romancistas e poetas de arlequinada inspiração e que pretendem, coitados!... ditar a lei à literatura do país! Mas deixemo-los com sua vaidade e com a sua inópia....
No interior de um debate a respeito dos procedimentos de coleta e análise do folclore nortista, seu estudo científico e suas relações com a nacionalidade, torna-se evidente a abertura de uma nova possibilidade de afirmação da identidade literária.
Além do poeta Juvenal Galeno, romancistas da época, como José de Alencar e Franklin Távora, tomam parte nos debates por meio da produção ficcional. Nela, abordam o mestiço, suas expressões populares e os costumes de províncias que também têm como foco o Norte do país.
Em 1876, Alencar publica o romance O Sertanejo, com elementos da tradição popular cearense que antes descreve nas cartas sobre O Nosso cancioneiro (1874). Mas é Franklin Távora quem toma a frente na via ficcional do debate, ao engajar-se na proposta de aplicar as idéias do movimento folclorista do Norte à maior parte de sua produção literária. Além de participar daquele movimento como crítico, em periódicos como a Illustração Brazileira (1876-1878) e a Revista Brazileira (1879-1881), o romancista é o idealizador do projeto literário denominado de Literatura do Norte, que dá ao público cinco romances dirigidos por um programa nitidamente vinculado ao debate folclorista. Este projeto é também publicado em 1876, no prefácio do primeiro romance da série, O Cabeleira.
A iniciativa de Távora, ao compor uma série de romances sobre o Norte e sua cultura popular, pode ter sido o ponto de partida para a construção de uma idéia de literatura "regional", bem como para as variadas tentativas de se classificar o autor como um "precursor" do regionalismo literário. Como vimos, o enfoque sobre o Norte tinha como maior preocupação encontrar um distanciamento da metrópole e uma adequação às idealizações nacionalistas. Era menor o interesse de rivalizar-se com o Sul, a não ser pela provável competição dos intelectuais por ganhar visibilidade nacional, então garantida mais exclusivamente pelos adeptos da vida na Corte.
É fato que, associada ou não à concepção regionalista, a construção de uma aparência de brasilidade exótica e mais saliente no Norte estendeu-se por mais de um século em muitas obras nacionais de caráter também plástico, histórico e sociológico.


Referência:
RIBEIRO, Cristina Betioli. Folclore e nacionalidade na Literatura Brasileira do século XIX. Tempo, Niterói, v. 10, n. 20, jan. 2006 .

Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042006000100008&lng=pt&nrm=iso>

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